terça-feira, 31 de março de 2009

Regresso



Alfredo: Living here day by day, you think it's the center of the world. You believe nothing will ever change. Then you leave: a year, two years. When you come back, everything's changed. The thread's broken. What you came to find isn't there. What was yours is gone. You have to go away for a long time... many years... before you can come back and find your people. The land where you were born. But now, no. It's not possible. Right now you're blinder than I am.

Salvatore: Who said that? Gary Cooper? James Stewart? Henry Fonda? Eh?

Alfredo: No, Toto. Nobody said it. This time it's all me. Life isn't like in the movies. Life... is much harder.


Cinema Paraíso

Pedaços de Ferrara

While thou, Ferrara! When no longer dwell
The ducal chiefs within thee, shalt fall down,
And crumbling piecemeal view thy heartless halls,
A poet's wreath shall be thine only crown, ---
A poet's dungeon thy most far renown,
While strangers wonder o'er thy unpeopled walls!


Lord Byron, "Il Lamento del Tasso"
http://readytogoebooks.com/T-LB29.htm










Era uma vez em Bologna...o vermelho, o martelo e a foice

A cidade, em tons de vermelho e laranja, incita à união e à revolta.
São operários, comerciantes, professores, estudantes, imigrantes e mesmo vagabundos. Mas, por terem uma voz que se quer fazer ouvir, todos são cidadãos. Recusam-se a reduzir a democracia a um sarrabisco no papel, em altura de eleições.
Na Piazza Magiore, discute-se politica e problemas sociais. Fala-se da máfia e da inércia do governo. Relembra-se a “obra” de Mussolini e apela-se para que não se repitam os erros do passado.
A hora marcada é das 11h às 15h. Mas às 19h, ao cair da noite, já ninguém se recorda desse acordo puramente formal e a tertúlia continua animada. Quando interpelo um dos participantes, ele diz-me: “Só acaba quando chover, quando Deus nos enviar um sinal”. E Deus ameaçou a tarde toda, mas só mesmo à noitinha é que os afugentou.
Enquanto um dos cidadãos discursa, ouvem-se pontualmente algumas vozes de concordância ou protesto. Também pontualmente os ânimos exaltam-se mas todos conseguem fazer ouvir o seu ponto de vista porque toda a gente o quer realmente ouvir.
Observo-os, vestidos informalmente, alguns com sacas nas mãos, porque vão ou vêm do emprego; alguns sentados no chão, ao ar livre da praça. Nos seus rostos, é fácil detectar o entusiasmo e ânsia para falar logo de seguida.
Lembro-me então das minhas sessões diante da televisão a ver a Assembleia da República Portuguesa. Lembro-me dos fatos e gravatas dos deputados, das caras de aborrecimento, dos insultos politicamente correctos, bem como da minha própria indiferença. Um contraste caricato.

Nos papeis que nos entregam lê-se: Respingiamo il nostro individualismo e la nostra indifferenza verso ciò che si circonda. Scendiamo in piazza!
Eu sento-me na praça como os outros. E de pescoço esticado acompanho tudo o que se diz sem conseguir tirar um sorriso de euforia da cara. Aqui não há "eu’s", há um só “nós”. E, por isso, sinto-me como se pertencesse aqui.















terça-feira, 24 de março de 2009

Doces Escolhas

Depois de entrarmos na Antica Fabrica del Cioccolato, os olhos saltam descontrolados de vitrine em vitrine, de tabuleiro em tabuleiro, de boião em boião. O mundo devia ser assim: feito de chocolate. Com morango, framboesa, avelã, amêndoa, menta, rum, malagueta...
Leva algum tempo até nos conformarmos que não podemos ir caminhando pelo Palácio de Chocolate, tirando daqui e dali, saboreando calmamente. É difícil tomar uma decisão. Mas todas as escolhas deviam ser assim: feitas de chocolate.
Na mesa de madeira onde me sento, estão alguns guardanapos vermelho-tinto e uma pequena jarra com flores. A música é italiana, dos anos 60/70 talvez.
Espero ansiosamente e não ouso tocar em nada.
Rodeiam-me máquinas de confecção de chocolate, testemunho de uma sabedoria que remonta já a 1923, data de fundação da chocolataria.

Máquina para aplanar chocolate.
A pasta cozida é esticada por um rolo e depois aplanada, dando-lhe a espessura desejada. Depois, baixa-se a parte cortante da máquina, que transforma o chocolate em bocadinhos quadrados.


Lá dentro, na cozinha, uma senhora já velhinha tira do forno uma fornada de bolinhos. O cheirinho é o de sonhos de criança, o sorriso da senhora delicioso, tal como tudo o que faz.
No prato que me chega, o chocolate derretido sobre o muffin acabado de sair do forno reflecte a luz suave que nos envolve. Ainda vejo o chocolate a infiltrar-se pela massa fofa.

Foi a decisão ideal. Todas as decisões deviam ter este sabor. O mundo devia ser uma grande Fábrica do Chocolate.





terça-feira, 17 de março de 2009

Contrastes

A criação excede o criador

Il Coloseo è cosi grande che la mente non riesce a comprenderlo in sé.

The Colosseum is so huge that the mind can not retain its image.



Goethe, Viaggio in Italia



As Escadas da Redenção

O segurança fechava já a portinhola de acesso à escadaria. A hora do fecho aproximava-se, pouco faltava para as seis da tarde.
Uma senhora surge, esbaforida, da grande porta de entrada, molha a mão na água benta e corre para o segurança. De lágrimas nos olhos, segura-lhe as mãos e implora-lhe: “Per favore! Per favore!”. Ninguém conseguiria recusar. O segurança acede e abre de novo o pequeno portão.
A senhora entra, ajoelha-se e beija o primeiro degrau. Todos viram o seu rosto transfigurar-se: ali a senhora estava em paz. De olhos fechados e mãos juntas ao peito, inicia em surdina uma oração, seguindo os restantes fieis, já uns quantos degraus à frente.

Na parede, uma placa avisa:
La scala santa si puo salire solo in ginocchio.
The holy stairs can be climbed only on one’s knees.

São 28 degraus, estes que Jesus Cristo subiu no dia da sua morte. Da casa de Pôncio Pilatos, em Jerusalém, a escadaria viajou para Roma, graças a Santa Helena, mãe do Imperador Constantino.

Cá em baixo, ao fundo das escadas, cria-se uma plateia de turistas. Outros tantos como eu admiram a devoção dos fieis.
O sol, já a pôr-se, entra pela grande porta, aconchega-os e ilumina-lhes o caminho.



domingo, 15 de março de 2009

1786-2009

1 de Novembro de 1786. Goethe escreve: “Finalmente cheguei à capital do Mundo!”.
Extasiado, debruça-se sobre a janela do quarto da Via del Corso e continua, mentalmente, a sua “Viagem em Itália”. Wilhelm Tischbein imortaliza o momento.



I am now in a state of clarity and calm such as I had not now for a long time. My habit of looking at and accepting things as they are without pretension is standing me in good steed and makes me secretly very happy. Each day brings me some new great pleasure, and a whole city that the imagination will never encompass, however long one thinks and dreams. (...)

Waterpipes, baths, theatres, amphitheaters, the stadium, temples! And then the palaces of the Kaisers, the graves of the Great - with these images I have fed and strengthened my soul. (...)

These masterpieces of man were brought forth in obedience as the same laws as the masterpieces of Nature. Before them, all that is arbitrary and imaginary collapsed: there is necessity, there is God.


Em 2009, no nº 18 da Via del Corso, sigo os passos de Goethe e tento reconstruir a cena. Esta imagem só eu a guardo.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Paolo Buonvino

La cosa piu difficile é amare...e la musica...prepara l’uomo a questo arduo compito.
J. Blacking
[frase seleccionada por Paolo Buonvino]

Ele diz e faz coisas bonitas.

Explica-nos que o ouvido é o primeiro sentido a desenvolver-se no homem. Explica-nos que tudo o que ouvimos, mesmo durante a nossa existência no útero, influencia tudo o que somos. Ele joga com a imagem e com a música e transmite o que urge ser transmitido.

Sim, ele diz e faz coisas bonitas. Porque as sente, explica-nos.


LUltimo Bacio - Apertura - Paolo Buonvino

domingo, 8 de março de 2009

Oh Sole Mio



Sol. Na Piazza di Santa Maria in Trastevere, o chão convida a sentar e são muitos os que não resistem. Um senhor, de pele escura, cuja proveniência não consigo descortinar, toca guitarra e canta “Oh sole mio”, deliciando todos os que o rodeiam. Hoje o céu não nos engana e sabemos que não haverá partidas: o dia vai mesmo ser de sol. Chegou finalmente a recompensa de uma semana inteira a sentir os pés molhados.

À nossa frente, a Igreja de Santa Maria in Trastevere recorda-nos que estamos num local de reverência. Há 2009 anos atrás, enquanto Cristo nascia, uma fonte de azeite brotava neste local. Diz a lenda claro. Neste local, num dia como o de hoje, o milagre é verosímil.











sábado, 7 de março de 2009

C'eravamo tanto amati

O tempo passa. A cidade permanece, bela e imponente.



domingo, 1 de março de 2009

O som do Paraíso

A água a cair... Nunca o nome deste blog me pareceu tão adequado.
Lembro-me de estar em Copenhaga e da desilusão que senti por dar de caras com os jardins do Tivoli encerrados. Não esperava vir a estar realmente em Tivoli, uma pequena cidade perto de Roma, ainda mais antiga que a cidade-eterna. É esta a fonte de inspiração de todos os outros locais homónimos.
Villa D’Este, um dos palácios de Tivoli, com cerca de cem fontes, é um pequeno paraíso.
Antes de sair, prometo voltar.





Engineering the Future

O curso de engenharia informática está terminado e, aos 24 anos, o mundo espera-o.
Quatro países em seis semanas. Para além disso, o Andrew não tem mais nada definido. A não ser, claro, a sequência da sua aventura (apenas por uma questão de facilidade de deslocação, e não por gostar de fazer planos): Itália, França, Espanha e Portugal. Onde dorme? Que cidades visita? Quanto tempo fica em cada sítio? Andrew não sabe.
Segundo me diz, as maiores expectativas são em relação a Portugal. Falo-lhe então do Porto, do Minho, de Sintra e de outros sítios que não pode perder. Ele arregala os olhos de curiosidade e acena a cabeça várias vezes e, por isso, sinto-me incentivada a continuar.
“If you want to say thank you, you say obrigado”. Ele repete “obrigado” com uma entoação bem diferente e admira-se por "obrigado" ser tão diferente de "grazie" e "gracias". O Andrew faz muitas perguntas. É fácil de perceber o que o levou a lançar-se sozinho pela Europa fora.
Foi aliás graças à sua curiosidade que nos conhecemos. Perto da Piazza Navona, uma manifestação de farmacêuticos enchia as ruas de sons de protestos. “Do you know what’s happening?”, perguntou-me. Não, eu não sabia.
Pergunto-lhe de onde é. O cabelo muito loiro, os olhos azuis e a sua altura dizem-me que será nórdico. A resposta é a mais imprevisível. “Texas, EUA”, diz-me. "Um americano do Texas a viajar sozinho pela Europa durante seis semanas...", penso admirada. Os meus preconceitos traem-me.
Pergunto-lhe como é viver no Texas. Sorrindo, adivinha exactamente o que estou a pensar e diz-me “não conheço ninguém que tenha um rancho e cavalos, se é isso que queres saber”. Fala-me então do Texas, das suas auto-estradas e da hospitalidade das pessoas. Fala-me da sua família e do seu irmão que tem uma banda.
“Ainda vou conseguir transformar o meu irmão numa estrela na Europa”, diz-me entre risos. E, por isso, apontou-me o nome “The Ben Burgess Band” num papel velho que tinha espalhado na carteira, como com certeza fará com tantas outras personagens que farão parte da sua aventura.
Agora ouço big river dreamin e leio a descrição que a banda do irmão de Andrew faz de si mesma.

With all the political bickering of the upcoming presidential election and the war on terror gone completely awry, many Austinites have turned to one songwriter for peace of mind. Devoid of the anger that too many bands have filtered their music through, Ben Burgess found another route. His breezy sound resonates with the birds, the bees and the sunshine, but without the proverbial cheese. His lyrics are insightfully whimsical and eternally contented, with an under-current of the exploration on the meaning of life.

Continuo a ouvir, desta vez snow cone stand. Esta seria sem dúvida a banda sonora perfeita para a aventura de Andrew. Tenho a certeza que enquanto procura o sentido da vida, Andrew caminha, assobiando e sorrindo, ao som desta música.
Quando nos despedimos dá-me um pequeno cartão, preparado cuidadosamente antes do início da sua grande jornada, com o seu contacto. Em letras pequeninas lê-se:

Andrew Blaquiere, engineer traveler: Travel the world, experience culture, engineer your future.